Memórias na Areia

Uma palma de mão lisa, sem linhas traçadas. Uma vida sem história nem pegadas. Ele era como uma praia deserta, com todos os seus segredos trancados em cocos e sachos da praia. Apenas a natureza sabia quem ele era. Apenas a natureza sabia como era a sua voz. Ele era a voz do vento, seu corpo o mar salgado, os seus olhos a floresta tropical e ele próprio... uma ilha. Abraçava a noite como quem se aconchega, num abraço apertado a si mesmo, abraço frio mas terno... Mas sorria com o raiar do dia, fazendo projectos de nuvens, traçando rotas no céu azul. Registava todos os seus sentimentos na areia pois era este o papel adequado a tal registo. Era uma escrita efémera... como os sentimentos registados. Pois ele amava[-se] e odiava[-se] com a inconstância de um vai e vem de ondas. Assim era também ele, com tudo na sua vida. Por isso escrevia o seu diário na areia, bem à beira-mar, de modo a que não ficassem vestígios do que sentiu; e como sem registos não há provas, os sentimentos deixam de existir porque uma onda os apagou... Por isso ele entrava no mar sempre que o sol se punha... para apagar o dia que passou, as ausências, as lembranças e para se apagar a ele mesmo da sua memória...

*Foto de la-Dulcinea, "I drew a heart in the sand"

"I drew a heart in the sand and the water crept in silently and washed it away. Line by line, grain by grain, the love and care and years and months and minutes and seconds all faded and were pulled into the great tide. As long as I drew the heart in the path of the transparent water it would forever wash out, fade away, blend in once again to the expanse of sand, shells, and all the remains of hearts drawn before. I walked next to the whispering current, my feet gently marking my steps in the soft sand. Washed away. Step, wave, step, wave. As long as I was by the current nothing ever remained. I was washed away, and so were you. I sat down again I drew a heart in the sand." (texto da autora da foto)