Onde está o papel?
Passaram-se duas semanas e nada de assinar contrato. Isto preocupava-me, pois quanto mais tarde assinasse o contrato mais tarde receberia o meu primeiro salário. Então fui perguntar à minha “chefe” pelo papel, ao que me respondeu que este ainda tinha de ser aprovado em reunião de Conselho e só depois poderia ser celebrado. Estranhei o facto de estar a exercer funções sem a minha contratação ter sido ainda aprovada, mas também pensei para mim que aquilo era apenas uma mera formalidade. Perguntei-lhe, então, pela minha segunda preocupação: quando receberia o meu primeiro salário. A resposta deixou-me em estado de choque: só depois de terminado o contrato (aquele que ainda está[ria] para ser celebrado). Mais tarde esta informação foi melhor definida: só o receberia MUITO depois de terminado o contrato. Para dizer a verdade, o que me disseram foi mesmo: “a senhora regressa para Portugal e um dia (daqui a muito tempo), um dia receberá o dinheiro... e não se fala mais nisso”. Por colegas, pouco antes de regressar ao meu país, fiquei a saber que eles levam cerca de 18 meses para receber o dinheiro dos contratos; no entanto, uma professora estrangeira está há dois anos para receber o seu dinheiro.
Depois do choque fiz saber à minha “chefe” que esta situação era insustentável para mim e que não conseguia manter-me a trabalhar no estrangeiro sem um salário mensal. A senhora mostrou-se surpreendida e disse-me que os meus pais deveriam ajudar-me pois o pai dela também a tinha sustentado até muito tarde.
Entretanto, contactei o consulado português que se mostrou inteiramente disponível para me ajudar e tentou fazer o possível para resolver a minha situação. Porém, a Universidade foi definida como uma instituição intocável e senti até algum receio em mexer com a Doutora Toriello.
Enquanto visitava quase diariamente o consulado na tentativa de alterar a minha situação, a minha “chefe” apresentou-me uma alternativa: fazer um outro contrato, acumulando funções, mas recebendo dinheiro durante o exercício dessas funções. Não foram, contudo, especificadas as funções que desempenharia, as horas de trabalho que teria de fazer a mais, quanto ou quando receberia o dinheiro. Mais uma vez apenas existiam incertezas.
Antes que o consulado resolvesse apresentar o caso ao reitor tentei esclarecer a questão do novo contrato. Na minha primeira conversa com a Doutora Toriello, a senhora mostrou-se, novamente, surpresa com a minha reacção ao saber que só receberia o meu salário muito mais tarde e argumentou que “ignorância não é desculpa para nada”, fazendo-me saber que as universidades italianas funcionavam assim e o facto de eu desconhecer este facto (?) e de não ter sido informada acerca desta questão não podia ser usado como argumento da minha parte; questionei-a, então, se tinha consciência de que me tinha a trabalhar ilegal, uma vez que não me tinham ainda feito um contrato, ao que a senhora respondeu: “se não está satisfeita, pare e vá-se embora” (relembro que todas as despesas de deslocação e alojamento foram custeadas por mim e na altura remontavam a cerca de mil euros). Da segunda vez a conversa correu ainda melhor; pedindo à senhora doutora que me esclarecesse completamente relativamente à minha situação ali, às minhas funções, ao meu horário de trabalho, contratos, enfim, tudo, a senhora deu-me uma resposta simples, directa e muitíssimo esclarecedora relativamente à questão do contrato e do auferimento: “a única certeza que lhe posso dar é que há um aeroporto em Bari com passagens para Lisboa”. Por cá diz-se que quem fala assim não é gago!
Nota: As crónicas “Trabalhar faz Mal” relatam factos verídicos. Todas as pessoas e situações mencionadas são reais.
A Instituição visada é a Faculdade de Línguas e Literaturas Estrangeiras da Universidade de Bari (Itália) e a responsável pelo departamento de Língua Portuguesa é a Prof.essa Fernanda Toriello.
Já que legalmente nada se pode fazer em relação ao que aqui vai sendo relatado, pede-se que divulguem estes textos, o mais possível, a todos os professores de Língua Portuguesa que conheçam, de modo a evitar que outros colegas passem pelo mesmo.
O meu muito obrigada.